A circunstância brasileira e o caráter antinacional das eleições

Cartaz publicitário da Rede Globo na Revista Veja no âmbito das eleições de 2004 (Reprodução: Propaganda em Revista)

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  1. A alta taxa de abstenções, votos brancos e nulos na última edição municipal das eleições, cujo 2º turno realizou-se no último 27 de outubro, deve-se, especialmente, à avançada rejeição das camadas populares ao processo eleitoral como «peça de legitimação» do sistema político em vigor no Brasil.
  2. A insatisfação de amplos setores sociais descortina o perecimento de um sistema político «antinacional», que revela incapacidade orgânica de solucionar os infortúnios do povo brasileiro.
  3. Como “tudo que nasce merece perecer”, certo é que os setores sociais a que convêm a conservação do moribundo sistema político antinacional tratam de reter, de toda forma, a marcha incoercível do «processo nacional brasileiro», que eleva, a cada dia, o grau da consciência nacional e constituirá causa mortis do «antinacionalismo» — pedra angular daquele sistema.
  4. É que o processo nacional brasileiro, em todos os aspectos que constituem sua fisionomia social, evidencia da incompatibilidade entre o vigente sistema político antinacional e as «exigências objetivas» de nosso tempo histórico, que somente poderão ser satisfeitas por intervenção do «nacionalismo».
  5. Por «exigências objetivas» compreende-se o conjunto das necessidades sociais e culturais do povo brasileiro, cuja solução objetiva, na presente fase histórica brasileira, conforma os interesses nacionais, tais como a autonomia econômica e a independência política efetiva, sem o que se provoca a miséria generalizada, a sucção da riqueza nativa pelo rentismo internacional, o alto custo de vida, a falência cultural.
  6. O sistema político antinacional não apenas fracassa em solucionar aqueles males sociais, mas, em verdade, eles surgem devido à vigência prévia de um sistema político que atua no sentido diametralmente oposto à nação; são os males sociais condicionados pelo sistema politico em voga, que os promove para enfraquecer o conjunto da nação, favorecendo a rendição do país ao interesse insaciável das nações capitalistas prósperas.
  7. Atente-se para a trágica circunstância nacional brasileira: — não é que se exista negligência ou insucesso no âmbito das ações gerenciais de Estado, quaisquer sejam os políticos ou partidos que as assumam, no que concerne à extinção dos males sociais que afligem o povo brasileiro; há, verdadeiramente, uma diretriz externa para conservá-los, oferecendo-se concessões esporádicas para deter radicalizações inoportunas à dominação, mas debilitando-se fundamentalmente o povo e afastando-o da reflexão crítica da crise nacional brasileira. Este é um dos aspectos daquilo a que se deve chamar «subdesenvolvimento programado».
  8. O processo nacional brasileiro revela que somente por meio do nacionalismo se poderá, de uma parte, compreender-se a natureza da crise brasileira, e, de outra parte, — corolário lógico da primeira, — fazê-lo instrumento de consolidação da autodeterminação nacional, configurando a consciência coletiva nacional para superar a situação do atraso secular.
  9. Neste sentido, o nacionalismo corresponde à conclusão das exigências objetivas do processo nacional brasileiro, inconcluso que se encontra pela predominância das forças antinacionalistas e antipopulares, de modo que seja de caráter subjetivo o conteúdo das condições faltantes para a transformação nacional, constituindo, por seu turno, o principal aspecto de manutenção do sistema político antinacional a dominação política e cultural, de acentuado teor antinacionalista, como forma de conter quaisquer dispositivos que permitam reanimar o nacionalismo, que viverá enquanto forem incompatíveis a direção e as exigências objetivas do processo nacional.
  10. Resulta evidente que só resta aos «setores sociais retrógrados e momentaneamente dominantes», que se beneficiam do atraso nacional, o ato pusilânime de retardar o processo nacional, do qual se origina o nacionalismo como resposta política dos «setores sociais avançados e momentaneamente dominados», que não se beneficiam do atraso nacional, e restringir, por ação de recursos materiais e ideológicos, os âmbitos no interior dos quais se poderia vocalizar a atuação de entes nacionalistas, porta-vozes da democracia nova, aos quais cumpre dar livre curso às forças criadoras do povo brasileiro.
  11. Com a finalidade de atrasar o processo nacional, os setores sociais retrógrados elegem, como seus representantes políticos e eleitorais, personagens cuja atuação revela tanto do trágico, quanto do cômico, o que pouco importa a tais setores contanto que exerçam satisfatoriamente o desprezível manuseio do poder nacional em consonância com os interesses retrógrados, em detrimento do efetivo progresso nacional, conformando «polo antinacionalista», porque é, antes do mais, «antinacional».
  12. Conformando as classes retrógradas e seus partidários o «polo antinacionalista», que impera na política oficial e grassa na mentalidade inocente das massas, importa saber que é e quem compõe o «polo nacionalista», que escasseia na política oficial e se acha divorciado das camadas populares a cujos interesses deveria corresponder.
  13. O nacionalismo é a bússola política do país subdesenvolvido. Constitui sobretudo orientação para a prática do povo subdesenvolvido, a que não foi admitido conformar-se como nação, principalmente devido ao conteúdo retrógrado das camadas dirigentes acumpliciadas com a atuação imperialista externa, pelo que o país subdesenvolvido se encontra na etapa de seu desenvolvimento histórico em que se constitui como nação a se fazer.
  14. A tarefa nacional de conteúdo anti-imperialista e anticolonial em cuja solução objetiva se empenha o nacionalismo evidencia a necessidade de se constituir uma corrente da «modalidade autóctone do pensar», sem o que o país subdesenvolvido fica desassistido no que concerne às expressões concretas e peculiares de seu problema nacional.
  15. O «trabalhismo brasileiro» se tem pretendido ser aquela corrente, cujos expoentes, líderes e intelectuais têm conferido primazia ao problema nacional do Brasil; encontra-se, desde a “redemocratização”, porém, suprimido da história política nacional, e extraído, de seus porta-vozes, sua potência política.
  16. O polo nacionalista é compreendido, pois, pelo conjunto das camadas nacionais às quais interessa a realização das exigências que o Brasil, na presente quadra histórica, demanda para avançar em direção à consumação nacional, e que se orientam pelo devir soberano brasileiro como pressuposto primacial da inauguração das tarefas socialistas.
  17. O conteúdo do nacionalismo traduz-se pela atitude política que confere primazia à emancipação nacional perante os interesses externos, assumindo o dever de derrogar as típicas adversidades do país pobre: — a superexploração das massas populares, a deterioração das condições de vida, a crise de saúde pública e a pressão dos provedores privados de saúde, ruína econômica generalizada, o rebaixamento da educação em todos os níveis, a dependência dos grandes centros financeiros, a trituração da indústria pesada pelo indisciplinado capital estrangeiro, que drena para o exterior o que é produzido pelo trabalho nacional, o desemprego, o subemprego e a ausência de emprego da mão-de-obra qualificada como geradores da desvalorização da força de trabalho nacional, a universidade dedicada ao saber alheio, porque alheia ao povo e suas necessidades, a miséria política e a decadência cultural pela conduta imitativa em face das nações metropolitanas, a ineficiência institucional e administrativa, as privatizações como diretriz básica da política oficial, o Estado a serviço do interesse privado, especialmente externo, e, particularmente no caso brasileiro, a ausência de forças nacionalistas internas ao quadro institucional que se empenhem em ameaçar, ainda que minimamente, tais peculiaridades do subdesenvolvimento.
  18. Pelas razões supracitadas, o nacionalismo no país pobre é substancialmente anti-imperialista, uma vez que a característica fundante do imperialismo, a saber, a de fazer do país capitalista avançado um ente monopolista, que converte em sua lei de existência a maximização de lucro, é a razão básica do atraso material e cultural a que é relegado o país subdesenvolvido.
  19. O imperialismo necessita de mantê-lo economicamente, politicamente e culturalmente retraído e subdesenvolvido, alienado de suas próprias capacidades autodeterminantes e dependente de seu complexo de dominação, para atender às exigências do poder econômico dos monopólios e concentradores financeiros, que não podem admitir o desenvolvimento autônomo das nações subdesenvolvidas.
  20. Na trama eleitoral das classes dirigentes, estas têm à disposição mandatários e candidatos que, se não propugnam abertamente pela violação da riqueza nacional pela cobiça externa, a esta não se lhe opõem efetivamente, simbolizando oposição de fachada, como submissos que nada fazem diante da traição nacional, sendo, tanto os primeiros, abertamente retrógrados, quanto os segundos, obedientes e resignados, alternativas inúteis e meramente figurativas ao povo no âmbito das eleições.
  21. Ao conceituar o nacionalismo em termos gerais, dado que o presente escrito, por sua brevidade, não nos autoriza a aprofundarmo-nos em tão relevante conceito, temos que a atitude antinacionalista se define por contraste, por oposição, situando-se em termos negativos e cerceando as demonstrações de progresso, uma vez que se situa em desacordo com o movimento do processo nacional, ao qual corresponde a atitude nacionalista como seu aspecto positivo.
  22. Constitui o antinacionalismo a atitude de negação da soberania nacional, a submissão do potencial do Brasil à ambição dos financistas estrangeiros, a privatização dos setores essenciais e o entreguismo, o descaso com o emprego de mão-de-obra nacional, a miséria das massas, a aplicação de medidas de corrosão dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários e o esfacelamento do Estado nacional.
  23. A atitude antinacionalista é, por natureza, frágil, não obstante pareça dirigir o curso do processo nacional, pois que caracteriza a tentativa de negar, de se colocar contra o constante desenvolvimento do país, à medida que a atitude nacionalista, que objetiva autorizar o curso autônomo, desobstruído e irrestrito do processo nacional, não obstante pareça o aspecto débil, configura o iminente lado dominante, mesmo porque exerce influência, pelo movimento de sua consciência, sobre o aspecto antinacionalista, que aprofunda a dominação ao contemplar o irrefreável avanço da consciência nacional, a que, por todos os expedientes necessários, necessita de estancar.
  24. Qualquer elemento político ou partidário que, conforme já vimos, defendam ou não se oponham implacavelmente à moléstia do subdesenvolvimento, quer assumindo a função desavergonhada de «gerência aberta» do poder externo, quer assumindo a função envergonhada de «gerência velada» do poder externo, integram o setor vil da sociedade brasileira, que, ao se curvar religiosamente aos ditames das «nações superiores», provoca, com essa sujeição, o aviltamento de toda a nação.
  25. Acostumada a pensar, quando se trata de política, em termos puramente eleitorais, a massa, à medida que é ensinada a imputar a partidos e políticos específicos a «culpa» pelas crises sociais, vislumbra no mesmo processo eleitoral vindouro a aparição de outros partidos e políticos, que supõe íntegros apenas porque se contrapõem aos primeiros.
  26. Resulta notório que o agravamento da insatisfação popular, neste caso, é inevitável.
  27. A acumulação progressiva desta insatisfação, que se processa concomitantemente à contínua deterioração das condições da vida nacional, culmina em insatisfações sistemáticas e elevadas, de modo que se tenha tornado habitual, no seio de camadas sociais as mais variadas, o fenômeno de rechaço ao pleito eleitoral.
  28. Também o indivíduo que comparece ao pleito não se acha menos insatisfeito do sistema político e do processo eleitoral do que o que se abstém, mas apenas o faz pela obrigação jurídica, e também moral, fomentada pela grande mídia de que o mero ato de inscrever dígitos em uma urna, a cada 2 anos, é o único instrumento político de que dispõe.
  29. O rechaço passivo, desprovido de convicções políticas, originado da excruciante experiência da realidade imediata, pode constituir o primeiro passo de aquisição de lucidez, que se caracteriza pela compreensão do processo eleitoral não como ato de modificação, mas de conservação da realidade nacional atrasada.
  30. No entanto, há, como em tudo que vigora na realidade, o confronto entre dois aspectos contrários. A componente reacionária no rechaço passivo reside em que da frustração que o leva a abster-se se possa canalizar para a negação da «política» em abstrato, levando-o a abdicar da compreensão das tarefas de que carece a nação para libertar-se e a aderir acriticamente a qualquer demagogo hábil que pretensamente se afirme contrário ao sistema constituído.
  31. Há que influir no sentido do rechaço passivo; deixado à própria sorte, ademais de negar a política em abstrato, e não como expressão concreta de interesses econômicos definidos, se deixa envolver por uma percepção ingênua segundo a qual a «culpa» dos problemas sociais é de natureza partidária.
  32. Inclina-se assim a absorver o engodo da «polarização», peça ideológica promovida por elementos de notória demagogia, que ao fazer oposição feroz contra os “partidos que aí estão”, granjeiam apoio das massas severamente desiludidas com o estado de coisas vigente.
  33. O «ideário eleitoralista» é uma das mais eficazes peças do dispositivo de dominação das classes dirigentes, que comandam o processo eleitoral de forma que a ele não integre qualquer elemento dedicado à causa nacional e popular.
  34. A condição semicolonial, que ainda caracteriza o Brasil de nossos tempos, constitui sistema político antinacional que reproduz o subdesenvolvimento, submetendo-se aos ditames dos organismos financeiros e parasitas estrangeiros, que exigem o retraimento e a subjugação nacional.
  35. No quadro gerencial do Estado nacional combalido, com vistas a domesticar as massas, empregam-se programas assistencialistas e de natureza compensatória, estendem-se a filantropia e o clientelismo, aprofundam-se as concessões que não fazem senão pacificar as exigências da massa na moldura nacional.
  36. O que institucionalidade semicolonial não pode comportar são elementos empenhados em inquietar, ainda que minimamente, o modelo econômico que nos faz servis aos interesses estrangeiros, hoje denominado «neoliberalismo», produto da remodelação da dominação imperialista convertida em orientação de Estado para os países pobres, não apenas aspecto de tal ou qual governo.
  37. Em só existindo “opções” neoliberais no pleito eleitoral, e constituindo o neoliberalismo o motor da catástrofe brasileira, as eleições, que supostamente alteram o comando político, consistem tão somente em um dispositivo de manutenção da direção do processo nacional pelas camadas dirigentes a serviço do poder econômico externo.
  38. A ilusão de que se pode haver mudanças substanciais por meio do processo eleitoral reacende a aspiração de renovação nacional das massas populares, a quem mais interessa viver em uma democracia nova, renovando-se, uma vez mais, a confiança nas “instituições democráticas” e dividindo-se o povo em currais eleitorais, à luz de tão apregoada falsa polarização.
  39. Ressaltamos o neoliberalismo como orientação de Estado, para além de especificidade de governo, para demonstrar que, por gerir, em determinado turno, um sistema político serviço do interesse estrangeiro, não há governo que possa declinar do neoliberalismo, ainda que possa ser mais ou menos entreguista, a depender das circunstâncias globais e da necessidade de se amenizar o fervor das massas populares, como bem o fazem os governos «social-liberais».
  40. Não é casual a sucessão de fracassos de governos desde a “redemocratização”. É que o processo de conferir aspectos democráticos ao quadro político, como a pluralidade de partidos, a alternância de poder e a livre concorrência de ideias, alterou a forma, mas não o conteúdo, da dominação que impera no Brasil.
  41. Esse fato permite-nos constatar que, por detrás da peça democrática do teatro eleitoral, não existem elementos “menos piores” do que outros, mas elementos necessários, em uma e em outra circunstância, à manutenção do interesse antinacional.
  42. Segue-se daí a razão da infertilidade do atual formato do pleito eleitoral, de que nada de novo nasce e o que é velho, sob novo aspecto, se mantém, com uma aparência, porém, mais ou menos progressista, para acalentar o espírito irrequieto de um povo insatisfeito.
  43. Evidencia-se tal situação pela vigência do curso do processo nacional, que demonstra o compromisso da terceira gestão de Luiz Inácio com a economia política do financismo internacional não ser submetida à crítica porque “com o Bolsonaro, era pior”.
  44. Tornou-se a política âmbito de rixas inócuas, dada a polarização que se arquitetou pelos grandes aparelhos de dominação ideológica, em que se apoia antes um indivíduo, por sua qualidade de candidato, do que o projeto de que dispõe para atuar sobre o país.
  45. De um processo eleitoral de absoluta depravação e hostilidade, de que participam candidatos levianos e ignorantes sobre as tarefas exigidas pelo atual momento da vida brasileira, constituídos de verdadeiro elenco circense e de falsos profetas, que concorrem entre si apenas em termos fantasiosos, da “corrupção” de um, do “mau-caratismo” de outro, e fazem da política um ambiente de debate (i)moral, não poderá, evidentemente, despontar qualquer discussão rigorosa sobre o destino nacional.
  46. O sistema político vigente, por sua falência iminente, devido ao fato de se colocar no sentido oposto do processo nacional, carece de se renovar e se legitimar periodicamente, sobretudo quando as massas se acham já suficientemente descontentes, inclinada a aderir a insurgências.
  47. Em virtude do perigo que a insurgência de massas possa representar, a legitimação do sistema político se realiza pelas próprias massas, que depositam seu voto na urna e renovam a manutenção do sistema político.
  48. O fato de que por intermédio das eleições, diferentemente do que se apregoa, não se realizam mudanças reais, mas a conservação do estado de coisas vigentes, apenas para dar-lhe novo contorno, nova feição, sem perturbar as bases que o estruturam, reporta-nos à falsa “redemocratização”.
  49. Como todo Estado é, em si, uma ditadura política, que comporta uma face despótica e uma face democrática, a condição para a restauração do aspecto demoliberal da ditadura do sistema político antinacional foi a interdição velada do nacionalismo e do trabalhismo na arena política nacional, particularmente porque tais correntes contrapunham a dominação imperialista nos idos de 1950 e 1960 e fundamentaram, por suas ações de emancipação do processo nacional, a necessidade de golpe preparada pelo polo retrógrado associado ao interesse estrangeiro.
  50. Na institucionalidade semicolonial, o que se entende por “esquerda” e “direita” são apenas elementos que servem, à maneira de sua tradição política, aos interesses forâneos, conservando a qualidade de mantenedores do sistema político antinacional, que renunciam, ambos, a tratar do sistema da dívida, do teto de gastos e de outros mecanismos de dominação externa.
  51. Permitir o povo ocupar-se com dois polos aparentemente inconciliáveis e contrários entre si, mas essencialmente idênticos, é crucial para dividi-lo e mantê-lo atado ao voto, de onde pretensamente virá aquele que o salvará, pacificando seu potencial de intensa pressão popular contra o estado de coisas vigente.
  52. Ademais da crise nacional permanecer intocada, sejam triunfantes uns ou outros candidatos, umas ou outras siglas partidárias, toda a responsabilidade da ruína econômica e das crises políticas e institucionais voltar-se-ão para os eleitores, que escolheram estes ou aqueles candidatos, e não para o putrefato sistema político antinacional.
  53. Observamos, finalmente, que as eleições servem somente para legitimar o sistema político, conformando um rearranjo do estado de coisas vigente à medida que o descontentamento popular ameaça se tornar insustentável.
  54. O formalismo estéril do voto, que caracteriza a única prática política permitida pela ordem antinacional e configura característica fundamental de nossos tempos, encontra-se amplamente renegado, no momento em que as massas exprimem categoricamente seu absoluto descontentamento com a ficção eleitoral.
  55. O apetite político do povo é somente artificialmente saciado pelo indigesto recheio antinacional das eleições, mas nunca integralmente satisfeito, porque a fome que persegue o povo é de poder político, e a “escolha” estéril de representantes ineptos, previamente decididos pelo grupos dirigentes, a cada dois anos, não pode saná-la.
  56. A massa do país subdesenvolvido, composta de cidadãos infectados por um século de capciosa propaganda externa, deseducação e desenfreada informação manipulada fornecida pela mídia tradicional, e embrutecida pelo conjunto das condições nacionais atrasadas, não podem ser culpadas por suas próprias algemas.
  57. Isto é o que não compreende um elitismo tacanho e estúpido, de viés pseudoprogressista, quando se defronta inconformado com a massiva votação em candidatos abertamente antipovo, mas notadamente populares.
  58. Condensado na sociologia apologética do petismo, o elitismo pseudoprogressista não compreende que a experiência sensível e cotidiana é insuficiente para formação consciente do indivíduo, e que a esmagadora maioria dos cidadãos se encontra diuturnamente afetada por influxo de ideias que dissimulam objetivos e ocultam interesses contrários aos seus.
  59. Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), notório gestor neoliberal, venceu a oposição encabeçada por Maria do Rosário (PT), mesmo após condução desastrosa do colapso climático e social do último maio, que ensejaria oposição enérgica da autoproclamada “esquerda” contra a “direita” no Rio Grande do Sul.
  60. A despeito de todo o aparato ideológico e financeiro provido por grandes capitalistas a Melo, a oposição admitiu sua debilidade optando pela candidatura de Maria do Rosário, figura vinculada a uma série de polêmicas e fortemente rejeitada pelo povo.
  61. Rosário tem sido alvo de acintes e inverdades sobre sua atuação política, mas a atuação débil do PT na reconstrução do estado após as enchentes e a risível inserção popular da candidata criaram as condições para a vitória acachapante de Melo.
  62. Nem sequer o epíteto insultuoso de “Chinelão”, que a dita esquerda conferiu a Melo, logrou bons frutos: — apropriado de forma especialmente carismática pelo político reacionário, Melo autoproclamou-se “Chinelão do Povo”, em ato demagogicamente perspicaz de dar significação emocional à inserção expressiva de que Melo dispõe no interior das camadas populares, em oposição a que denominou “esquerda caviar”, verdadeiramente divorciada da massa.
  63. O que restou aos nossos talentosos petistas foi expressar aversão ao povo, que reelegeu Melo, atribuindo-o “Síndrome de Estocolmo” e outras baixezas do oportunismo esquerdista.
  64. Há muito que, nas contendas eleitorais, os votos em um candidato justificam-se tanto mais pela rejeição em um outro candidato, seu “opositor”, do que por conflito de projetos, mesmo porque a ideia demoliberal da “democracia representativa” tem sido a trama por meio da qual se esvai o projeto de nação a se fazer.
  65. Uma vez que dos processos eleitorais não se podem realizar, pelas razões expostas, transformações nacionais, e que, nas circunstâncias reinantes, em que assolam o país a miséria, a carestia, a corrosão dos direitos sociais e trabalhistas, a austeridade contra o povo, a ignorância altiva e a decadência cultural e moral, declaramos que o ato de votar nulo, ou mesmo abster-se de comparecer ao circo da democracia liberal, constitui não apenas um compromisso cívico, em singela demonstração de rechaço ao pleito eleitoral, mas, diante da debilidade orgânica de representação das organizações políticas, uma inevitabilidade.
  66. Demonstrando firmemente sua insatisfação com este aparelho de neutralização dos anseios populares, este cívico dever, com vistas a permanecer em avanço, precisa somar-se à maciça pressão popular do sistema político antinacional vigente, com o objetivo de encorajar a atuação, no quadro político nacional, de elementos nacionalistas competentes para deter a sangria nacional e atender aos interesses inadiáveis do povo brasileiro.

Por Alan Santana