70 anos de ISEB: a atualidade da presença política e intelectual nacionalista

Intérpretes do brasil – ISEB - Bonifácio

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Transcorrem já setenta anos desde que a intelectualidade brasileira reuniu-se para conformar uma das expressões intelectuais mais sofisticadas, em matéria de erudição e compreensão da realidade nacional, do acervo cultural brasileiro: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB, fundado a 14 de julho de 1955.

Originariamente criado para configurar um núcleo, a serviço do Estado, para a promoção do estudo e divulgação das ciências sociais, o ISEB, – composto por ativos partícipes, especialmente cariocas e paulistas, da inteligência brasileira –, converteu-se em um intenso polo de reflexão crítica das circunstâncias brasileiras.

Com vistas à intervenção cívica e social, o ISEB se impunha a tarefa de conceber uma ideologia de elucidação do problema nacional brasileiro, a fim de criar as condições para a pendente realização nacional do Brasil. Essa ideologia, a que se convencionou intitular nacional-desenvolvimentismo, era sustentada na substituição de importações acríticas de figurinos externos, que impediriam o livre curso do desenvolvimento nacional.

Os qualificados intérpretes que compunham o eixo mais atuante do Instituto, dentre os quais destacam-se Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Alberto Guerreiro Ramos, Roland Corbisier e Hélio Jaguaribe, concebiam o problema profundo da vida nacional na condição de subdesenvolvimento em que se achava o Brasil, como campo de exploração dos países avançados, circunstância que o situava no plano da dependência econômica e o fazia carecente de soberania e falto de autonomia cultural.

No que concerne à solução objetiva dos problemas nacionais, a questão da superação da condição semicolonial do país caracterizava a tônica dos debates e do léxico político isebiano.

Estariam dadas as condições objetivas para a transformação econômica do Brasil em uma nação avançada e economicamente poderosa; faltavam-lhe, porém, as condições subjetivas, de natureza política e cultural, no interior das quais abundavam os dispositivos ideológicos destinados a fomentar a alienação e promover o atraso cultural necessário à perpetuação da condição de subdesenvolvimento.

À alienação econômica e cultural de si mesmo, decorrente daquela condição, conviria opor um desenvolvimento nacional autossuficiente, empregando as providências indispensáveis à conquista da maioridade econômica a que atingira o Brasil. Uma vez que a condição de subdesenvolvimento, porém, reproduzia dependência cultural e intelectual, tão somente a elaboração de uma razão nacionalista, promovida, no caso do ISEB, por um órgão de Estado, poderia munir as massas populares da compreensão crítica da realidade nacional e da necessidade inadiável de emancipação nacional em face das potências imperialistas, que alcançavam já o apogeu do capitalismo, libertando-as dos óbices culturais que as condicionavam como povo subdesenvolvido dotado de uma razão ingênua.

Segue-se daí que um tal ambicioso projeto, que propugnava, no plano cultural, a formulação de um pensamento autóctone, e, no plano político, a aglutinação de camadas e grupos sociais distintos entre si, mas entre os quais coincidia a oposição visceral ao imperialismo político das nações sobranceiras, seria rasgado por marcadas contradições internas e sitiado por uma feroz oposição externa.

O cerne das discussões internas que dividiram e enfraqueceram o ISEB residia na divergência entre duas correntes socialmente ativas, as quais se convencionou denominar, de uma parte, de nacionalistas, e, de outra parte, de entreguistas – os primeiros, propugnavam o desenvolvimento nacional por intermédio da atuação majoritária e independente de capital autóctone; os segundos, defendiam a viabilidade de o capital forâneo imiscuir-se na estrutura econômica brasileira para fazê-la desenvolver, sendo notabilizada como proponente de um “nacionalismo de fins”, “pragmático” e destituído de convicções inarredáveis.

As querelas no interior do ISEB refletiam, antes do mais, contradições sociais profundas; à época, que coincidia com a porfia global entre Estados Unidos e União Soviética, faria pulular movimentos de autodeterminação nacional nos mais longínquos rincões do mundo, defensores de respostas nativas para problemas nativos, por vezes em contraposição a ambas as potências, que cobiçavam partilhar e expandir suas zonas de influência monopolística, o que exclui a possibilidade de convívio pacífico com a realização nacional de países subdesenvolvidos, tornados, por aquelas, dependentes.

O ISEB caracterizou o esforço brasileiro em fazer o Brasil voltar-se para si, promovendo uma fértil e profícua experiência filosófica sobre o Ser Nacional e legando um denso e complexo corpo de reflexão crítica para a nação atrasada.

Golpeado, como o conjunto da nação, pelas frações americanófilas imiscuídas nas Forças Armadas, o ISEB foi extinto em 1964, sendo arrancado da paisagem política e emudecido pelas hostes que, acumpliciadas com o poder econômico estrangeiro, sobrepuseram violentamente os anseios nacionalistas, que encontravam naquele Instituto a mais alta expressão da consciência nacional.

Sete décadas após o surgimento do ISEB, o Brasil ainda não realizou as tarefas políticas, culturais e econômicas necessárias à autodeterminação nacional; inversamente, intensificou-se a sua situação de submissão aos potentados externos, na medida em que a redemocratização ensejou, em fins da década de 1980, a instauração de um sistema político antinacional, em que elementos políticos vinculados ao nacionalismo são asfixiados e personagens devotados à globalização e à entrega servil do patrimônio nacional aos organismos exógenos disputam, de fato, os altos cargos da República

O inconcluso legado do ISEB consiste em oferecer não desalento ou aflição, mas convicção de que suas contribuições, cercadas e insuladas pelo manancial alienante da ideologia oficial, preservarão atualidade enquanto vigorar subdesenvolvimento e semicolonialismo no Brasil, enquanto perdurar a ingerência externa nos assuntos nacionais, enquanto alternarem-se mandatários dos grupos econômicos dominantes em detrimento da nação.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros tornar-se-á peça obsoleta do acervo intelectual brasileiro somente quando as condições nacionais, que sugerem ao povo e a seus intérpretes a sua compreensão para a sua transformação, forem radicalmente modificadas, apresentando novos problemas, que não aqueles típicos do subdesenvolvimento.

Haja vista a necessidade de se empenhar na intervenção cívica, para que se realize uma transformação efetiva da realidade nacional, cabe aos entes pensantes do Brasil e à mocidade fundar círculos intelectuais comprometidos com a prática política e dedicados à causa nacional, reaquecendo as contribuições dos célebres pensadores brasileiros no exame do atraso nacional vigente e suscitando o debate dos temas candentes da Pátria a se fazer.

Por Alan Santana