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É inegável a herança de Vargas para com Leonel, não apenas por fazerem parte do mesmo partido (Partido Trabalhista Brasileiro), mas também por sua aproximação com o próprio Getúlio, que foi seu padrinho de casamento. Ademais, suas posições ao longo da vida política, seja no RS ou no RJ, sendo governador de ambos, estavam sempre alinhadas com a causa dos trabalhadores, a soberania nacional e a importância da educação, com os CIEPs. Fora também a admiração expressa por Getúlio, onde já disse que estaria cumprindo a missão que nosso grande chefe inspirador, Getúlio Vargas – o maior de todos os brasileiros, porque foi simples, humilde e sábio – delegou.
A militância de Leonel Brizola começa na cidade, já filiado ao PTB, onde teve a cultura política absorvida, já dentro da Assembleia Legislativa de Porto Alegre, em 1947. Tornou-se um membro da oposição ao governo do estado, procurando representar as camadas mais pobres da população de Porto Alegre (FERREIRA, 2011, p. 67). Ele manteve sua defesa pela educação pública do Rio Grande do Sul, muito apoiado por Alberto Pasqualini que, no PTB, fez suas articulações para reformas sociais. Segundo QUADROS (2007):
O papel de Pasqualini, como teórico e doutrinador nos anos formativos do PTB, concentra-se na tarefa de elaborar uma visão de mundo e na organização do grupo que compartilha essa visão, ou seja, etapas da formação de um partido político essencialmente vinculadas à construção de um consenso na sociedade civil. Tanto que chega a afirmar: “Nosso problema não é apenas vencer uma eleição e controlar o governo; nosso problema é criar uma mentalidade social […] para realizar o programa que defendemos” (Bodea, 1992, p. 157). Cabia, pois, ao PTB, em um primeiro plano, desempenhar um papel educador voltado à criação da mentalidade social necessária para implantar a nova ordem social.
[…]
Brizola construiu sua carreira política a partir da estrutura do PTB, sob a influência doutrinária de Alberto Pasqualini, e seu discurso irá refletir o corpo teórico pasqualinista, notando-se a presença de duas questões centrais: desenvolvimento e educação. (QUADROS; p. 7; 2007).
A partir das ideias educacionais de Pasqualini, Brizola entende que caberia à educação o papel de propulsor econômico para o governo; o Estado, por sua vez, deveria ter essa pressão mobilizadora para o projeto de modernização (QUADROS, 2007). Em mensagem dada ao governo do estado do RS (1960), ele diz:
“Devemos salientar ainda que essa gigantesca iniciativa for projetada de acordo com nossas disponibilidades, e nós a realizamos na quadra mais difícil de nossa vida administrativo, lutando contra toda espécie de limitações, como aquelas de que demos notícias na primeira parte desta mensagem, Não hesitamos, porém um só momento na execução do nosso programa educacional, porque entendemos que educação é o melhor investimento econômico de rentabilidade social mais assegurada” (Mensagem; p. 20; 1960).
Me inclino a dizer que a educação, para Leonel Brizola, é o principal motor de desenvolvimento para o governo do estado naquele momento e, ao que parece, a solução para o próprio País. Todas essas ideias ainda estão ligadas diretamente com o PTB e os doutrinadores dele. A carga política que o Sr. Getúlio Vargas deixou o partido, Leonel herdou. Não somente dos doutrinadores, mas também das políticas a favor da causa do proletariado. Promoveu estatizações com forma de presença do estado na economia e interventor.
Entre as principais estatizações promovidas por Brizola, destacam-se a Companhia Telefônica Nacional e a Bond and Share, esta última responsável pelos serviços de energia elétrica no estado. Além disso, outras empresas de infraestrutura foram incorporadas ao controle estatal. Brizola justificava essas ações argumentando que era fundamental evitar a exploração de setores estratégicos por grupos estrangeiros e garantir que os recursos gerados permanecessem no Brasil. Essa postura se alinha diretamente ao pensamento de Vargas, que, desde a Revolução de 1930, defendia o fortalecimento do Estado como instrumento de modernização econômica e proteção dos direitos dos trabalhadores. Para Brizola, a nacionalização da infraestrutura essencial era um passo necessário para garantir a soberania nacional e promover o desenvolvimento econômico independente. Essa ação gerou forte resistência por parte de empresas multinacionais e de setores conservadores da política brasileira, que viam suas medidas como um risco à livre iniciativa e um avanço do socialismo dentro do Brasil. Segundo Vasconcellos (2020):
O PTB gaúcho irritou os EUA quando o governador Leonel Brizola encampou a companhia elétrica Bond and Share em 1959 e a ITT 28 telefônica em 1961, no Rio Grande do Sul. Nesse ano Jânio Quadros renuncia e João Goulart é impedido pelos militares “ianquizados” de tomar posse, a não ser aceitando a fórmula do parlamentarismo. (VASCONCELLOS; p. 27-28; 2020).
Os Estados Unidos viam essas estatizações com grande preocupação, pois interpretavam essas ações como um avanço do nacionalismo econômico e uma ameaça aos interesses de empresas estrangeiras no Brasil. Durante a Guerra Fria, qualquer política que limitasse o capital estrangeiro ou fortalecesse o controle estatal sobre setores estratégicos era encarada com desconfiança, especialmente em países hispânicos na América. A ênfase na nacionalização de setores estratégicos caminhava junto à defesa da ampliação dos direitos sociais, como o fortalecimento dos sindicatos. Essas fontes são sustentadas pela própria desconfiança que o governo americano tinha em relação a Brizola. Em documentos recentes expostos pela agência americana de inteligência (CIA), a preocupação dos Estados Unidos com Brizola era evidente. Em documentos da CIA, ele foi descrito como um ‘cunhado violentamente antiamericano’, revelando, no mínimo, um receio de que sua liderança fortalecesse o movimento nacionalista no Brasil e dificultasse a influência americana no país. (ANEXO 2). A relação dos Estados Unidos com Leonel Brizola evidencia o temor americano quanto à expansão do comunismo no continente americano. Esse receio levou a interferências diretas nas eleições e nas políticas internas do Brasil, muitas vezes sob a justificativa de preservar a democracia. No entanto, essas intervenções minavam a própria democracia brasileira, uma vez que decisões políticas nacionais eram influenciadas por interesses externos. A política de Brizola, baseada na autonomia política e econômica do Brasil, se chocava diretamente com os interesses dos americanos. Ao enfatizar essa interferência estrangeira, percebe-se como a diplomacia internacional impactou a estabilidade política do Brasil, contribuindo para um ambiente de crescente instabilidade e desconfiança nas instituições democráticas.
Fonte: archives gov
(ANEXO 2)
Esse detalhe da vida política do Leonel Brizola é de extrema importância para entendermos a Campanha da Legalidade, que ocorreu em 1961, para a garantia da posse do João Goulart e como o cenário internacional estava se comportando em relação à sua imagem.
Este texto foi produzido com mais capítulos, o qual dissertei sobre o pensamento político Brizola até sua ruptura com o seu cunhado João Goulart. Ademais, serão publicados mais artigos que envolvem o tema demonstrando não somente a importância de Leonel, mas também a trajetória de Brizola no trabalhismo e seu processo de radicalização durante as crises de poder que o Brasil enfrentou.
REFERÊNCIAS:
PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). Leonel Brizola: estamos cumprindo a grande missão que Getúlio Vargas nos delegou. Disponível em: https://pdt.org.br/index.php/leonel-brizola-estamos-cumprindo-a-grande-missao-que-getulio-vargas-nos-delegou/. Acesso em: 16 jul. 2025.
QUADROS, Claudemir de. BRIZOLETAS: a ação do governo de Leonel Brizola na educação pública do Rio Grande do Sul (1959-1963). Teias, Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, p. 1-17, jan./jun. 2001.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa – 1960. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1961
VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto. Leonel Brizola: a história, o historiador [livro eletrônico]. 1. ed. Florianópolis, SC: Elaine Jussara Tomazzoni Tavares, 2020.
UNITED STATES. National Archives. Document 104-10338-10018. Disponível em: https://www.archives.gov/files/research/jfk/releases/2025 Acesso em: 13 ago. 2025.