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O termo “Estado” é amplamente utilizado hoje por diversas ideologias, sendo, ora considerado o mal absoluto, ora a mais perfeita organização social. Independente da valoração usada, só podemos nos sentar em segurança em uma universidade ou em casa, diante de um computador, para refletir sobre esses temas porque a estrutura estatal nos proporcionou um grau de estabilidade que nos permite questioná-la.
O conceito contemporâneo de Estado é fruto do Iluminismo, sendo desenvolvido nos séculos XVIII e XIX para substituir as formas tradicionais de poder. O poder, antes concentrado em uma figura local com acesso a pessoas devido a propriedades ou ao poder divino, foi sendo distribuído em diversas organizações, de modo racional: câmaras municipais, prefeitos, forças policiais hierarquizadas, cortes, tudo isso sob um governo nacional. Esse processo resultou no maior período de progresso da história da humanidade.
No Brasil, no entanto, esse processo foi mais lento. Em 1889, o país poderia, no papel, ser uma federação, com suas cidades, câmaras, governadores e a subordinação dos estados à capital imperial. Mas, na prática, o poder estava nas mãos de coronéis e suas milícias, que frequentemente violavam a lei para satisfazer seus próprios interesses. Essa realidade piorou durante a Primeira República e só começou a se corrigir no mal chamado período populista de 1930 a 1964, embora o processo ainda não tenha sido completamente finalizado até hoje.
Chegamos, então, ao último Estado tradicional das Américas: a Colômbia. A Colômbia nunca teve um Getúlio Vargas; o mais próximo disso foi Jorge Eliecer Gaitán, que foi assassinado antes de ser eleito. O país nunca passou por uma centralização de poder, nunca atingiu o monopólio estatal da violência, nunca completou o processo de burocratização. Regiões inteiras ainda estão sob o domínio de coronéis locais, que ignoram a autoridade do governo central, possuindo suas próprias milícias que lutam contra outros coronéis e contra as FARC, demonstrando que o Estado não se estende até o interior do país. “La Patria Boba” é como chamam sua nação: um país sem Estado, tradicional no sentido negativo da palavra, que nunca alcançou nem a democracia liberal, nem uma alternativa viável a ela. É um reflexo vivo e atual do que ocorre quando o Estado Nacional não é consolidado. A Colômbia é um exemplo claro do que o Brasil poderia ter se tornado, caso não tivesse avançado nas últimas décadas e do que pode vir a ser, à medida em que certos marcos históricos são abandonados.
Por mais que a atual situação no Brasil atualmente não seja das melhores (afinal, já estivemos em momentos mais favoráveis), não enfrentamos problemas como a falta de câmaras municipais, nem a presença de senhores de guerra controlando regiões inteiras, junto a suas populações e cadeias produtivas. Temos, é verdade, “estados nas sombras”, que, a longo prazo, ameaçam competir diretamente contra o Estado, em aberta guerra civil.
Todo esse sistema foi fruto de um processo iniciado pela Revolução de 1930 e seus sucessores trabalhistas e aliados, consolidando as grandes instituições nacionais durante a Era Vargas e sendo democratizadas e universalizadas a partir da Quarta República, com planos de metas, quotas, programas de alfabetização, expansão da saúde e educação. O Brasil pode ter um Estado que ainda têm sérias deficiências mas tem um Estado, e isso é fruto de um avanço civilizacional. Ao olharmos para a Colômbia, com a mais longa guerra civil da história, com seu território invadido por um país vizinho, com ondas de refugiados fugindo de regiões afetadas, e carteis e coronéis lutando pelo poder em várias partes da nação, temos muito a agradecer por não precisarmos enfrentar esse caos, e nos manter vigilantes para a defesa e retomada do que foi construído.