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As palavras que abrem a publicação feita por Jean Itacarambi sobre sua graduação pertencem a São Josemaría Escrivá, o fundador da Opus Dei, uma prelazia católica voltada para o apostolado na vida cotidiana.
Aí onde vivem os homens, aí está a missão dos membros da Opus. Nas escolas, nos escritórios, na cátedra universitária, nas oficinas, onde a vida humana acontece se torna o campo de difusão do sabor do sal de Cristo e sua luz. É onde os homens se tornam úteis e deixam rastro, onde apagam o visco da maldade e dão frutos.
Jean foi assim. A frase, o pequeno trecho do ponto 1 de Caminho, ilustra bem a sua vida, as opções que tomou de ser praça aberta, dedicado ao serviço, ao desenvolvimento próprio e dos seus compatriotas. Jean escolheu incendiar o mundo com o calor ardente que existia em seu coração.
Falo escolheu porque cada atitude que ele tomou, pelo menos desde 2019 até o dia em que infelizmente nos deixou, vinha de uma decisão acertada consigo mesmo de que ele devia algo ao mundo, que ele precisava tomar partido no curso dos fatos, que, mesmo localmente, ele não poderia se furtar aos convites que a História lhe faria.
Numa publicação de dezembro de 2020, em seu perfil do Facebook, ele retornava após um ano fora, explicando o que o levara a abandonar a rede. Era uma perda de energia gasta em conversas de bolhas que funcionavam como falar para espelhos. Chegando aos seus 22 anos, ele sentia que precisava ir na raiz do que o Facebook se mostrava sintoma: a falta de responsabilidade sobre a própria vida. Mas isso não significava apenas melhorar a si mesmo, envolvia o social. Segundo a publicação, “devemos saber qual é o nosso lugar e função no mundo e nos esforçar para fazer com [que] ele funcione”. E convocava
Saiam das bolhas e ilusões: comecem a olhar para o estado do teu coração, do teu quarto, das pessoas ao teu redor e comece a trabalhar e pôr ordem em tudo isso, sendo justo e forte no cumprimento de cada dever. Descubra quais são suas melhores propensões, quais são suas forças criativas, experimente-as, prove o sabor da satisfação pessoal em simplesmente reconhecer-se com bom em algo ou por ter feito algo efetivamente bom para ti ou para quem está ao teu redor, não espere, ao menos não agora, por lucros e resultados exteriores. Eu lhes garanto, se vocês se empenharem nisso, receberão a devida recompensa.
Quando o conheci, há 3 anos, ele estava na ascendente do empenho para realizar o que exigia. Estava no auge das suas potências criativas, explorando cada centímetro da universidade em que estudava, participando de projetos de iniciação científica e docência, pesquisando, escrevendo, desenvolvendo teorias. Estava intervindo no mundo.
Nossa amizade foi crescendo na medida em que também eu fui conhecendo, agindo, transformando. Foi Jean quem falou para mim da Juventude Trabalhista, na qual cerrei fileiras com ele a fim de tornar o Brasil grande e soberano. Tínhamos projetos juntos no campo da educação, que por um infortúnio do destino não poderão se realizar. Não éramos amigos de bares ou de infância, nossa amizade não era aberta para conversas muito íntimas. Ela foi forjada pelo desejo de conhecer mais a realidade e provocar-lhe mudanças. Ainda assim, Jean foi a única pessoa além de minha esposa para quem eu fiz questão de escrever, ir ao Correios e enviar uma carta, que ele nunca leu, porque dizia nunca ter chegado. Ele era importante. Sua forma de se expressar, de viver humildemente, sua maneira agregadora de lidar com as pessoas, juntando gente diferente no seu círculo, do católico mais conservador à feminista. Tudo isto mexe comigo, porque revela uma face minha da qual não gosto tanto e que é o inverso do que ele foi: soberba, mesquinha, centrífuga.
De todo modo, fico feliz que Jean tenha feito a opção nietzscheana de abraçar a vida em sua totalidade, de criar sua própria moral num mundo cada vez mais niilista e cínico, sem deixar de lado – o que Nietzsche reprovaria – o olhar para os fracos e os fragilizados, os que choram, os que são perseguidos, os que não podem se responsabilizar por si mesmos e pelos seus porque não possuem liberdade e meios para isso. Fico feliz que seu exemplo se constitua como uma marca indelével na minha vida, que me obriga a ser melhor hoje.
Sua morte há um mês atravessou meu peito como uma lança. Mas ele permanece vivo na minha memória e na de muitos, com um rastro de bondade, disciplina, humildade, paixão pelo ofício e pelo país.
Jean, presente!